sábado, 10 de setembro de 2011

"A very lovely, very frightened girl" - o feminino em 'Bonequinha de Luxo'



Ah, Holly Golightly... Nunca, na história do cinema, uma prostituta foi tão doce, e nada melhor que um bom clássico para dar início às postagens do Cinema de Espartilho.
Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany’s, Blake Edwards, EUA, 1961) é baseado no romance de Truman Capote, autor estadunidense reconhecido pelo pioneirismo no jornalismo literário. Como qualquer adaptação, deixa de conter aspectos do livro e também modifica alguma coisa da história original, que é muito menos sutil e bem-comportada.

De todo modo, o fato é que o longa, em pleno início dos anos 60, trazia como heroína uma garota de programa com estilo de vida despreocupado e “fora da lei”, algo que a princípio chocaria a moralíssima sociedade americana. Como explicar, então, o sucesso de público alcançado e o fato de a personagem principal ter se tornado um dos grandes expoentes da cultura popular do país? Como tal personagem marginal foi e é capaz de despertar tanta afeição e simpatia, de influenciar tantas gerações? Não, Holly Golightly não é exatamente um referencial de comportamento ou o que se possa considerar um “papel respeitável”, muito menos se encarada no contexto em que surgiu. Mas uma resposta imediata para decifrar todo o fascínio não pode se afastar muito de algo mais que percebido, consagrado e aplaudido - o inegável carisma de Audrey Hepburn.

Na trama, Holly Golightly (Hepburn) é uma acompanhante de luxo de Nova York, com um modo de vida no mínimo peculiar (o filme, na verdade, deixa em aberto se existe ou não caráter sexual na relação de Holly com seus clientes, ambigüidade que é ainda acentuada pela impressão de inocência transmitida pela atriz). Charmosa, desinibida, bem-humorada e sobretudo surpreendente, a moça desperta aos poucos a atenção do seu novo vizinho, Paul Varjak (George Peppard), um escritor com certo quê frustrado, bancado pela amante.


À primeira vista, Holly representa exatamente aquilo o que se espera dela: sofisticada, promove festas e tem o hábito de fazer a primeira refeição do dia diante das vitrines da joalheria Tiffany’s, indícios de suas ambições de elevação social e sua conseqüente vontade de enfim casar-se com um homem rico. Permanecer na vida de acompanhante de luxo, ao que parece, não é uma opção para a jovem, que encara a situação como uma simples fase de transição para melhores dias. O que vai se tornando mais óbvio ao longo da obra, no entanto, é aquilo que estava implícito desde o começo. Holly vai se mostrando como é: uma sonhadora irremediável. A partir daí, o passado da personagem vem à tona trazendo revelações e surpresas, e a impressão que fica ao se delinear o perfil da protagonista é a de uma permanente fragilidade. Holly Golightly, despida de sua máscara de sobrevivência, é das figuras femininas mais vulneráveis do cinema.

A chave para a “verdadeira Holly” vai sendo entregue ao expectador à medida em que se desenvolve o amor entre ela e o escritor/vizinho Paul. Frágil, com um passado obscuro e sem figura masculina ou posição social que a proteja, ela se atrai por ele porque, no começo, não há nada entre os dois senão uma tranqüila amizade. Paul nada pede ou exige dela, uma garota de programa, e este é o ponto essencial. Prova desse afeto desinteressado e fraterno é o modo como Holly espelha no escritor a imagem do irmão (símbolo de segurança), inclusive chamando-o pelo nome do mesmo.

Só que, como era de se esperar, as coisas vão mudando. E é o amor, como em outras tantas películas, o responsável por tornar a protagonista mais vulnerável que nunca, colocando-a num conflito íntimo em que se chocam os sonhos de um futuro abastado e os novos sentimentos.

Sim, tem muito de Holly Golightly na clássica cena inicial do filme, em que ela, nos primeiros instantes da manhã, contempla sozinha e bem vestida a vitrine da Tiffany’s da Quinta Avenida. Tudo ao som da famosa “Moon River”, é claro, a música vencedora do Oscar de 1962, na categoria de melhor canção original (aliás, toda a trilha sonora, composta por Henry Mancine, também foi premiada).

Mas, de todo o longa, o momento em que melhor se pode entrever a essência de Holly – e, quem sabe, compreendê-la – é aquele em que ela, garota solitária dona de um gato sem nome (porque não julga ter o direito de batizá-lo, uma vez que “não se pertencem”), canta a referida canção na janela do apartamento, observada pelo –agora inspirado- escritor. Louca, marginal, caricata, sonhadora, inocente: a Holly imaginada por Capote e imortalizada por Hepburn será sempre um ícone.

“There was once a very lovely, very frightened girl. She lived alone except for a nameless cat...”





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